O que você prefere ter: dinheiro ou paixão pelo que gosta?
A grande maioria das pessoas hoje em dia responderia “os dois”. E de fato, temos hoje mais condições para trabalhar com o que gostamos do que teríamos em qualquer outra época passada. Trabalhar deixou de ser uma obrigação para não termos que morrer de fome, como era no século XIX, e também passamos a não precisar escolher um emprego apenas por essa razão.
Sendo assim, mudarei a pergunta para “o que você prefere ter primeiro: dinheiro ou paixão pelo que gosta?” Em outras palavras, o que lhe motiva a fazer o que você faz?
Dinheiro é um meio, não um fim
Em meus estudos sobre economia, especialmente sobre a origem do dinheiro na sociedade, a frase que sempre me chama a atenção é a que versa sobre a função do dinheiro, especialmente na definição da Escola Austríaca: “o dinheiro é um meio de troca usado entre pessoas”. Enfatizo bastante a palavra meio, que explica muito da visão que muitas pessoas possuem acerca do que ele representa.
A cultura do ter, muito comum em boa parte das pessoas que vivem atualmente, não se estende apenas a bens. Queremos sempre uma conta bancária cada vez maior e utilizamos para isso mecanismos que, ao mesmo tempo, nos limitam e sabotam. Quantas pessoas você já conheceu que sempre alegam falta de dinheiro para tudo, seja para perseguir um sonho, seja para justificar a falta de coragem em largar um emprego do qual ela visivelmente não gosta – note que o não gostar ao qual me refiro não é apenas aquela sensação de tédio, que muitos de nós podemos ter no nosso emprego, mas realmente não se sentir realizado fazendo o que faz, a ponto de até mesmo fazer um trabalho medíocre de forma deliberada por não ter motivação para fazer um bom serviço. E essa motivação é subjetiva, tanto que vemos funcionários públicos e da iniciativa privada sofrendo desse mal.
Eles podem mudar essa situação? Claro. Mas geralmente nunca o fazem. Principal motivo? “Ah, mas eu ganho um bom salário, não posso abrir mão dele”. “Preciso de dinheiro para manter o meu padrão de vida”. Ou seja, sempre alegam precisar de dinheiro para conseguir comprar coisas.
Será que precisam mesmo? Será que precisamos manter o padrão de vida que temos atualmente?
Viver melhor, com menos
Naturalmente, eu não defendo que todas as pessoas do planeta se desfaçam dos seus bem, ou deixem de comprar aquilo que gostam, para viverem apenas com uma mala e poucos itens básicos. Como libertário que sou, eu jamais defenderia isso. Cada ser humano deve ter a liberdade de usar seus bens e recursos da forma que melhor lhe caber.
A discussão que quero deixar aqui é sobre o OBJETIVO que leva cada pessoa a perseguir determinado emprego, salário e padrão de vida. Será que realmente estamos buscando a felicidade que precisamos?
Uma das citações que mais admiro é a que está no início da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, assinada em 4 de julho de 1776, data de independência daquele país. Ela resume, de forma sucinta e sem nenhuma dúvida, os direitos que temos como seres humanos.
“Consideramos estas verdades como auto-evidentes, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes são vida, liberdade e busca da felicidade.” (negrito meu)
Hoje, temos muito mais dinheiro em circulação do que em 1776. Cada vez mais os governos e bancos centrais ao redor do mundo despejam somas e somas de dólares, euros e outras moedas, com o alegado objetivo de “estimular a economia” através do incentivo para que as pessoas comprem carros novos, TVs novas e troquem de casa com uma frequência cada vez menor. Hoje temos acesso a uma quantidade de bens muito maior do que qualquer bilionário de 100 anos atrás teria.
E, no entanto, cada vez mais pessoas ao redor do mundo são mais infelizes, seja no trabalho, na vida pessoal ou na vida financeira. Temos de tudo e, ao mesmo tempo, nos falta muito.
O muito nos tira o foco do desejado
Em minha modesta opinião, tal problema tem como resposta a frase acima: o muito nos tira o foco do desejado. Ter muitas coisas nos fez desviar a atenção daquilo que importa nas nossas vidas.
Durante muito tempo, eu desejei ter cada vez mais e mais livros. Me orgulhava de gastar altas somas nas livrarias e sair com as mãos cheias de sacolas de livros, mesmo tendo uma estante cheia de obras que sequer tinha aberto ainda. “Eu não consigo evitar, devoro livros”, costumava dizer com orgulho. Um orgulho que só era igual à minha estupidez.
A mesma coisa era com CDs e DVDs. Eu adorava comprar boxes de filmes apenas para mostrar na minha estante. E nunca importava o preço: quanto mais raro – ou mais caro – melhor. CDs era a mesma coisa, colecionava vários na minha casa. Todos eles tinham uma coisa em comum: eram assistidos ou ouvidos no máximo algumas vezes antes de acumularem poeira e espaço no quarto.
Ao mesmo tempo que gastava enormes somas com livros, deixava de economizar dinheiro para fazer coias que percebo que desejava muito mais, como juntar para fazer uma viagem. As idas para a Alemanha e para Londres se transformaram em juros de faturas atrasadas; a ida para as cataratas do Iguaçu foi impedida por causa de gastos em jogos que deixei de lado em pouco tempo. O sonho de passar o Natal na Trafalgar Square foi transformado em dinheiro para pagamento de cheque especial. E a aposentadoria que planejei via dividendos de ações teve que ser planejada novamente, resultado em uma incrível queda da minha qualidade de vida.
Foi isso que, em primeiro lugar, me levou a essa jornada minimalista. Ao me desfazer de todos os itens que mencionei no primeiro texto desse blog, me desfiz indiretamente de tudo o que eles representavam: irresponsabilidade, falta de planejamento, falta de foco e de uma personalidade que buscava ter para poder ser. Kindle, Netflix e Spotify substituíram as pilhas de livros, DVDs e CDs juntamente com os gastos que elas representaram, abrindo espaço para a minha mudança mental em relação ao dinheiro. De senhor da minha vida, ele passou a ser um parceiro, alguém que trabalhará para a realização dos meus sonhos, através dos investimentos na minha conta que deram lugar aos bens nas minhas estantes.
O assaltante de bancos
Eu fui um exemplo perfeito daquele que “não percebe aquilo que não se vê”, como dizia o economista francês Frédéric Bastiat. De tantos bens aos quais passei a ter acesso, comprei o que vi sem perceber que estava perdendo de viver. Ao viver de uma forma que achei que queria, me tornei um “assaltante de bancos”, alguém que viva sem nenhum propósito além de ter dinheiro para gastar, para ter coisas que eu não queria, pensando que iria impressionar pessoas que hoje vivem a vida que eu sempre quis.
Essas pessoas possuem um diferencial: elas fazem o que fazem porque gostam disso. O dinheiro é uma mera consequência para elas, um meio de troca que irá lhes permitir alcançar aquilo que realmente desejam ter, aquilo que as faz feliz. O fim de alguém que faz o que gosta é ser feliz; para essa pessoa o dinheiro cumpre a sua clássica função: facilitar o acesso ao que se deseja.
Um assaltantes de bancos, tal como um assaltante da vida real, sempre irá fazer o poder do dinheiro se voltar contra ele ao não tratá-lo – nem a si próprio – com respeito. Não é à toa que na vida real ou na ficção, o assaltante geralmente é preso ao tentar comprar algum item grandioso, como um carro de luxo ou um grande imóvel.
Obviamente, não é toda pessoa que compra um carro ou imóvel caro que significa que ela seja alguém assim: há pessoa que colocam isso como a sua meta pessoal e trabalham arduamente até conseguirem. Não há nada de errado quando se consegue algo grande através de planejamento e esforço. O problema é quando depositamos todas as nossas metas e sonhos baseados no plano de “quando eu tiver dinheiro, farei isso”. Esse gatilho mental coloca o dinheiro como um fim ao invés de um meio. E, nesse caso, geralmente os fins sempre justificam os meios.
Conclusão
Eu sofri pouco mais de 4 anos de perda, mas sei que muitas pessoas ainda são infelizes fazendo o que não gostam por visualizarem o dinheiro como um fim e não um meio.
No entanto, nosso fim deve ser a felicidade. O dinheiro é uma mera consequência daquilo que fazemos porque amamos, e deve ser usado de forma inteligente. Dinheiro é como urânio: pode ser uma fonte enorme de energia, mas também pode produzir uma imensa destruição (lembre-se da bomba atômica).
E se você não está convencido, encerro esse texto com a colaboração de um dos caras que mais admiro. Um cara que é piloto de avião, empresário, escritor, roteirista de cinema, esgrimista e cantor de uma das maiores bandas do planeta – e faz tudo isso porque ama, sabendo que o dinheiro vem sempre como consequência.